A vancomicina é um antibiótico glicopeptídico que desempenha um papel crucial no tratamento de infecções graves causadas por bactérias Gram-positivas, especialmente aquelas resistentes a outros antibióticos. Foi descoberta em 1953, isolada de uma amostra de solo coletada na selva da Indonésia. A vancomicina é particularmente eficaz contra cepas de Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (MRSA), Enterococcus faecium e Clostridium difficile. Devido à sua importância no combate a infecções resistentes, o monitoramento terapêutico da vancomicina é essencial para garantir sua eficácia e segurança.
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Mecanismo de Ação
A vancomicina atua inibindo a síntese da parede celular bacteriana. Ela se liga com alta afinidade ao terminal D-alanina-D-alanina das unidades de peptidoglicano, impedindo a transpeptidação e a formação de ligações cruzadas necessárias para a integridade da parede celular. Isso leva à lise celular e morte da bactéria. A vancomicina é bactericida contra a maioria das bactérias Gram-positivas e bacteriostática contra enterococos.
Farmacocinética
A vancomicina é administrada principalmente por via intravenosa devido à sua baixa absorção gastrointestinal. Após a administração intravenosa, a vancomicina é distribuída por vários compartimentos corporais, incluindo tecidos e fluidos corporais. Sua eliminação é predominantemente renal, através da filtração glomerular. A meia-vida de eliminação varia de 4 a 8 horas em indivíduos com função renal normal, mas pode ser significativamente prolongada em pacientes com insuficiência renal.
Toxicidade e Efeitos Adversos
Os principais efeitos adversos associados ao uso de vancomicina incluem nefrotoxicidade e ototoxicidade. A nefrotoxicidade está relacionada a níveis elevados e prolongados de vancomicina no sangue, podendo levar à insuficiência renal aguda. A ototoxicidade, embora menos comum, pode resultar em perda auditiva permanente. Além disso, a administração rápida de vancomicina pode causar a "síndrome do homem vermelho", uma reação de liberação de histamina que resulta em eritema e prurido.
Importância do Monitoramento Terapêutico
Devido à estreita janela terapêutica da vancomicina e ao risco de toxicidade, o monitoramento das concentrações séricas (vancocinemia) é fundamental. O monitoramento terapêutico ajuda a ajustar as doses para alcançar níveis terapêuticos eficazes enquanto minimiza o risco de efeitos adversos. As concentrações séricas devem ser medidas antes da próxima dose (nível mínimo) e, em alguns casos, após a administração (nível máximo).
Princípios de Processamento
Coleta e Pré-processamento
A coleta da amostra para vancocinemia é realizada através de punção venosa, geralmente antes da administração da próxima dose do antibiótico (nível mínimo) e, em alguns casos, após a administração (nível máximo). A amostra de sangue é coletada em tubos sem anticoagulante ou com EDTA (dependendo da metodologia e equipamento de processamento), sendo posteriormente centrifugada para separação do soro ou plasma.
Processamento Laboratorial
No laboratório, a concentração de vancomicina é medida utilizando-se diversas metodologias, incluindo cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), ensaios de imunoensaio enzimático (EIA) e imunoensaio de polarização fluorescente (FPIA). Além disso, os sistemas da Ortho Clinical Diagnostics e Siemens Healthineers fornecem soluções avançadas para o monitoramento de vancocinemia. A seguir, detalharemos os princípios de cada metodologia.
Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (HPLC)
A HPLC é uma técnica amplamente utilizada para a quantificação precisa de fármacos no plasma ou soro.
- Princípio: A HPLC separa os componentes de uma mistura com base em suas interações com uma fase estacionária e uma fase móvel. A amostra é injetada em uma coluna cromatográfica onde os diferentes compostos são separados. A vancomicina é detectada e quantificada através de um detector UV ou de fluorescência.
- Vantagens: Alta especificidade, sensibilidade e capacidade de separar e quantificar componentes complexos.
- Desvantagens: Requer equipamentos caros e mão-de-obra especializada, além de tempo maior para preparação e análise das amostras.
Imunoensaio Enzimático (EIA)
O EIA é uma metodologia que utiliza anticorpos para detectar a presença e a quantidade de vancomicina no soro ou plasma.
- Princípio: O EIA utiliza um anticorpo específico contra a vancomicina, ligado a uma enzima. Quando a vancomicina está presente na amostra, ela se liga ao anticorpo. A enzima catalisa uma reação que produz uma mudança de cor ou fluorescência, proporcional à quantidade de vancomicina na amostra.
- Vantagens: Alta sensibilidade, especificidade e facilidade de automação.
- Desvantagens: Possibilidade de interferências de substâncias similares e custo dos reagentes.
Imunoensaio de Polarização Fluorescente (FPIA)
O FPIA é uma técnica que mede a rotação de moléculas fluorescentes em solução para quantificar a vancomicina.
- Princípio: No FPIA, uma molécula fluorescente é ligada à vancomicina. Quando a amostra contém vancomicina livre, ela compete com a vancomicina fluorescente pela ligação ao anticorpo. A rotação das moléculas fluorescentes é medida, e a polarização da luz emitida é inversamente proporcional à concentração de vancomicina livre na amostra.
- Vantagens: Alta precisão, rapidez e não requer separação de fase sólida.
- Desvantagens: Possibilidade de interferência por outras substâncias fluorescentes e custo dos reagentes.
Equipamentos da Ortho Clinical Diagnostics
A Ortho Clinical Diagnostics oferece sistemas avançados para a medição da vancocinemia, como o VITROS® 5600 e VITROS® XT 7600.
- VITROS® 5600 Integrated System:
- Princípio: Utiliza a tecnologia de Micropartículas Magnéticas de Quimioluminescência (CMIA), onde a vancomicina na amostra compete com a vancomicina ligada a uma enzima por anticorpos específicos. A luz emitida pela reação enzimática é proporcional à concentração de vancomicina.
- Vantagens: Alta sensibilidade e especificidade, integração de química clínica e imunodiagnóstico.
- VITROS® XT 7600:
- Princípio: Utiliza a tecnologia MicroSlide, onde reações químicas ocorrem em microplaquetas que minimizam interferências e maximizam a precisão dos resultados.
- Vantagens: Precisão elevada, alta produtividade, ideal para grandes volumes de amostras.
Equipamentos da Siemens Healthineers
A Siemens Healthineers oferece soluções como Atellica® Solution e ADVIA® Centaur XP para o monitoramento terapêutico.
- Atellica® Solution:
- Princípio: Utiliza a tecnologia de quimioluminescência para imunoensaios, onde a vancomicina na amostra compete com a vancomicina marcada com um marcador quimioluminescente por anticorpos específicos. A luz emitida é proporcional à concentração de vancomicina.
- Vantagens: Alta precisão, flexibilidade, automação avançada, e conectividade digital.
- ADVIA® Centaur XP:
- Princípio: Utiliza quimioluminescência para fornecer resultados rápidos e precisos. A vancomicina compete com a vancomicina marcada com enzima para anticorpos específicos, produzindo uma reação luminescente proporcional à concentração do fármaco.
- Vantagens: Alta versatilidade, capacidade de processar grandes volumes de amostras.
- Dimension® EXL™ with LM:
- Princípio: Utiliza a tecnologia LOCI® (Luminescent Oxygen Channeling Immunoassay), onde a luz emitida pela reação enzimática é proporcional à quantidade de vancomicina presente na amostra.
- Vantagens: Resultados rápidos e precisos, integração de química clínica e imunoensaio.
Interpretação dos Resultados
Os resultados são interpretados com base em faixas terapêuticas estabelecidas. Para infecções graves, como endocardite ou osteomielite, os níveis mínimos recomendados variam entre 15-20 µg/mL, enquanto para infecções menos graves, os níveis podem variar entre 10-15 µg/mL. A toxicidade renal e otológica é uma preocupação em níveis acima de 20 µg/mL.
Uso Diagnóstico
Monitoramento Terapêutico
O principal uso do exame de vancocinemia é o monitoramento terapêutico da vancomicina, garantindo que as concentrações séricas estejam dentro da faixa terapêutica adequada. Este monitoramento é crucial para prevenir a resistência bacteriana e evitar efeitos adversos.
Ajuste de Dose
A vancocinemia auxilia na determinação e ajuste da dose de vancomicina, especialmente em pacientes com função renal comprometida, obesidade ou aqueles que necessitam de terapia prolongada. A dosagem é ajustada com base nos níveis séricos medidos, juntamente com a função renal do paciente.
Prevenção de Toxicidade
A toxicidade é uma preocupação significativa com o uso de vancomicina, particularmente nefrotoxicidade e ototoxicidade. O monitoramento regular da vancocinemia permite a identificação precoce de níveis tóxicos, permitindo ajustes de dose para prevenir danos renais e auditivos.
Importância Clínica
Eficácia Terapêutica
Manter níveis adequados de vancomicina é essencial para a eficácia terapêutica, particularmente em infecções causadas por bactérias resistentes. Níveis subterapêuticos podem levar à falha do tratamento e ao desenvolvimento de resistência bacteriana.
Segurança do Paciente
A segurança do paciente é uma prioridade, e o monitoramento da vancocinemia ajuda a equilibrar a eficácia do tratamento com a minimização dos efeitos adversos. Isso é especialmente importante em populações vulneráveis, como idosos e pacientes com comorbidades.
Gestão de Infecções Complexas
Em infecções complexas e graves, como endocardite infecciosa, osteomielite e meningite bacteriana, a vancomicina é frequentemente a droga de escolha. O monitoramento da vancocinemia é crítico para garantir que os níveis séricos sejam suficientes para erradicar a infecção, mas não tão elevados a ponto de causar toxicidade.
Alterações nas Principais Doenças
Insuficiência Renal
A insuficiência renal é uma condição que afeta significativamente a farmacocinética da vancomicina. Em pacientes com função renal reduzida, a depuração da vancomicina é diminuída, resultando em níveis séricos mais elevados e risco aumentado de toxicidade. Nestes casos, o monitoramento frequente da vancocinemia é essencial para ajustar a dosagem adequadamente.
Insuficiência Hepática
Embora a insuficiência hepática tenha um impacto menor na depuração da vancomicina em comparação com a insuficiência renal, ainda pode haver alterações na farmacocinética do fármaco. Em pacientes com insuficiência hepática grave, o monitoramento da vancocinemia é necessário para evitar níveis subterapêuticos ou tóxicos.
Obesidade
A obesidade pode alterar a farmacocinética da vancomicina devido ao aumento do volume de distribuição. Pacientes obesos podem necessitar de doses mais elevadas para atingir concentrações terapêuticas. O monitoramento da vancocinemia é crucial para garantir a dosagem adequada e prevenir tanto a subdosagem quanto a toxicidade.
Sepse e Infecções Sistêmicas Graves
Em pacientes com sepse ou outras infecções sistêmicas graves, a farmacocinética da vancomicina pode ser alterada devido a alterações no volume de distribuição e na função renal. O monitoramento rigoroso da vancocinemia é necessário para garantir que os níveis terapêuticos sejam alcançados rapidamente para um tratamento eficaz.
Terapia Prolongada
Pacientes em terapia prolongada com vancomicina, como aqueles com osteomielite crônica ou endocardite, requerem monitoramento contínuo da vancocinemia. A exposição prolongada ao fármaco aumenta o risco de toxicidade, e ajustes de dose frequentes podem ser necessários para manter níveis seguros e eficazes.
Considerações Finais
O exame de vancocinemia é uma ferramenta crucial no manejo terapêutico da vancomicina, especialmente em infecções graves causadas por bactérias resistentes. O monitoramento adequado permite ajustes precisos de dosagem, garantindo eficácia terapêutica e minimizando o risco de toxicidade. Em pacientes com condições que afetam a farmacocinética da vancomicina, como insuficiência renal, insuficiência hepática, obesidade e infecções sistêmicas graves, o exame de vancocinemia é indispensável para um tratamento seguro e eficaz.
Referências
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- LODISE, T. P. et al. "Vancomycin treatment outcomes and nephrotoxicity rates among patients with methicillin-resistant Staphylococcus aureus bloodstream infections." Antimicrobial Agents and Chemotherapy, v. 52, n. 2, p. 438-443, 2008.
- MARTIN, J. H. et al. "Effectiveness of Vancomycin Monitoring in a Tertiary Hospital: A Retrospective Analysis." Therapeutic Drug Monitoring, v. 32, n. 1, p. 27-34, 2010.
- PEAKS, C. J.; KOHANU, M. "Pharmacokinetics and Pharmacodynamics of Vancomycin in Obese Patients." Journal of Antimicrobial Chemotherapy, v. 72, n. 1, p. 285-290, 2017.
- MORRILL, H. J. et al. "Vancomycin nephrotoxicity: a review of the literature and consideration of principles for guiding dosing." Pharmacotherapy: The Journal of Human Pharmacology and Drug Therapy, v. 34, n. 7, p. 653-664, 2014.

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