Microscopia de esfregaço (Fonte: Controllab, 2023). |
Componentes do Sangue Analisados no Hemograma
1. Hemácias (Eritrócitos):
Os eritrócitos são as células sanguíneas mais numerosas e têm a função principal de transportar oxigênio dos pulmões para os tecidos do corpo, além de transportar dióxido de carbono dos tecidos para os pulmões. Os eritrócitos são células sanguíneas discoides sem núcleo, com uma forma característica de "disco bicôncavo". Na microscopia, os eritrócitos aparecem como células pequenas e uniformemente coloridas, com um centro mais claro devido à sua forma bicôncava. Alterações morfológicas nos eritrócitos podem indicar diferentes tipos de anemias e distúrbios hematológicos, como anisocitose (variação no tamanho dos eritrócitos), poiquilocitose (variação na forma dos eritrócitos) e policromasia (presença de eritrócitos jovens com cor mais azulada). No hemograma, os principais parâmetros relacionados aos eritrócitos são:
- Contagem de Eritrócitos (RBC): Indica o número de eritrócitos por volume de sangue, expresso em milhões por microlitro (milhões/µL).
- Hemoglobina (Hb): É a proteína presente nos eritrócitos, responsável pelo transporte de oxigênio. A concentração de hemoglobina no sangue reflete a capacidade de transporte de oxigênio. Normalmente expressa em gramas por decilitro (g/dL) de sangue.
- Hematócrito (Ht): É a proporção de volume ocupado pelos eritrócitos no sangue total. É expresso como porcentagem (%).
- Volume Corpuscular Médio (VCM): Indica o tamanho médio dos eritrócitos. Calculado dividindo-se o hematócrito pela contagem de eritrócitos e multiplicando por 10. Normalmente expresso em femtolitros (fL).
- Hemoglobina Corpuscular Média (HCM): Indica a quantidade média de hemoglobina presente em cada eritrócito. Calculado dividindo-se a concentração de hemoglobina pelo número de eritrócitos e multiplicando por 10. Normalmente expresso em picogramas (pg).
- Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média (CHCM): Indica a concentração média de hemoglobina em cada eritrócito. Calculado dividindo-se a concentração de hemoglobina pelo hematócrito e multiplicando por 100. Normalmente expresso em gramas por decilitro (g/dL).
Alterações Morfológicas nos Eritrócitos
Alterações na morfologia dos eritrócitos podem ser indicativas de várias condições patológicas e são frequentemente observadas em esfregaços sanguíneos sob microscopia. Abaixo, descrevemos algumas das principais alterações morfológicas nos eritrócitos e suas possíveis causas:
Anisocitose:
- Definição: Refere-se a uma variação no tamanho dos eritrócitos.
- Causas: Anemia ferropriva, talassemia, deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico.
- Descrição: Os eritrócitos podem variar em tamanho, com alguns sendo maiores (macrocitose) e outros menores (microcitose) do que o tamanho normal.
Poiquilocitose:
- Definição: Refere-se a uma variação na forma dos eritrócitos.
- Causas: Anemia hemolítica, doença hepática, deficiências nutricionais.
- Descrição: Os eritrócitos podem apresentar formas anormais, como células em lágrima (drepanócitos), células em alvo (codócitos), células em forma de sela (eliptócitos) e células com espiculações na superfície (acantócitos).
Eritrócitos Fragmentados:
- Definição: Refere-se à presença de fragmentos de eritrócitos na circulação sanguínea.
- Causas: Síndrome hemolítica microangiopática (SHMA), coagulação intravascular disseminada (CIVD), próteses valvulares cardíacas.
- Descrição: Os eritrócitos podem se fragmentar devido a lesões mecânicas, formando fragmentos como esquizócitos, helmetócitos e dacriócitos.
Rouleaux:
- Definição: Refere-se à agregação de eritrócitos em pilhas, dando uma aparência de empilhamento de moedas.
- Causas: Aumento da concentração de proteínas plasmáticas, como em mieloma múltiplo, doença inflamatória crônica.
- Descrição: Os eritrócitos se alinham uns aos outros devido à presença de proteínas plasmáticas, formando estruturas semelhantes a pilhas de moedas.
Corpos de Heinz:
- Definição: São inclusões citoplasmáticas observadas nos eritrócitos.
- Causas: Exposição a toxinas, medicamentos ou deficiências enzimáticas, principalmente em gatos.
- Descrição: São inclusões de hemoglobina precipitada no citoplasma dos eritrócitos, geralmente indicativas de toxicidade ou deficiência enzimática.
Células Falciformes:
- Definição: São eritrócitos em forma de foice.
- Causas: Anemia falciforme, uma hemoglobinopatia hereditária.
- Descrição: Os eritrócitos adquirem uma forma de foice devido à presença de hemoglobina S, o que pode causar vaso-oclusão e uma série de complicações clínicas.
2. Leucócitos:
Os leucócitos desempenham um papel crucial no sistema imunológico, protegendo o organismo contra infecções e agentes patogênicos. Existem diferentes tipos de leucócitos, cada um com funções específicas. No hemograma, os principais parâmetros relacionados aos leucócitos são:
- Contagem Total de Leucócitos (WBC): Indica o número total de leucócitos por volume de sangue, expresso em milhares por microlitro (milhares/µL).
- Fórmula Leucocitária (ou Contagem Diferencial): Avalia a proporção de diferentes tipos de leucócitos no sangue. Os principais tipos incluem neutrófilos, linfócitos, monócitos, eosinófilos e basófilos. Normalmente expressa como porcentagem (%).
- Neutrófilos: São leucócitos com núcleo lobulado e citoplasma granular corado de rosa. Neutrófilos imaturos (bastonetes) têm um núcleo em forma de bastão. São os leucócitos mais abundantes e desempenham um papel importante na defesa contra infecções bacterianas. Uma contagem elevada de neutrófilos (neutrofilia) pode indicar uma infecção bacteriana aguda.
Neutrófilo segmentado (Fonte: Controllab, 2023). |
- Linfócitos: São leucócitos com núcleo arredondado ou ligeiramente indentado, com pouco citoplasma que pode aparecer como uma borda azul pálida. São responsáveis pela resposta imunológica adaptativa e pela produção de anticorpos. Uma contagem elevada de linfócitos (linfocitose) pode indicar infecções virais, linfoproliferativas ou reações alérgicas.
Linfócito (Fonte: Controllab, 2023). |
- Monócitos: São leucócitos com núcleo grande e irregular e citoplasma abundantemente granulado corado de azul acinzentado. Atuam na fagocitose de microrganismos e na apresentação de antígenos. Uma contagem elevada de monócitos (monocitose) pode ser observada em infecções bacterianas crônicas ou inflamações.
Monócitos (Fonte: Controllab, 2023). |
- Eosinófilos: São leucócitos com núcleo bilobado e citoplasma granulado que se cora de vermelho-alaranjado com corantes ácidos. Estão envolvidos na resposta imune contra parasitas e na regulação de reações alérgicas. Uma contagem elevada de eosinófilos (eosinofilia) pode indicar infecções parasitárias, alergias ou doenças inflamatórias.
Eosinófilo (Fonte: Controllab, 2023). |
- Basófilos: São leucócitos com núcleo irregular e citoplasma densamente granulado que se cora de azul-escuro ou preto. São os leucócitos menos numerosos e estão envolvidos em reações alérgicas e na resposta imune mediada por IgE.
Basófilo (Fonte: Controllab, 2023). |
3. Plaquetas:
As plaquetas são fragmentos celulares pequenos e irregulares, sem núcleo, que desempenham um papel crucial na coagulação sanguínea. Na microscopia, as plaquetas aparecem como pequenas estruturas coradas que podem estar isoladas ou formar aglomerados. Alterações na morfologia das plaquetas, como plaquetas gigantes ou com anormalidades de forma, podem indicar distúrbios de coagulação ou outras condições médicas. No hemograma, o principal parâmetro relacionado às plaquetas é:
- Contagem de Plaquetas (PLT): Indica o número de plaquetas por volume de sangue, expresso em milhares por microlitro (milhares/µL).
As setas indicam as plaquetas (Fonte: Controllab, 2023). |
Métodos de Processamento do Hemograma
A amostra de sangue para o hemograma é geralmente obtida por punção venosa, utilizando uma agulha e um tubo de coleta a vácuo. É importante seguir procedimentos adequados de coleta para evitar contaminação e garantir a integridade da amostra. As amostras são então analisadas utilizando métodos laboratoriais específicos, como citometria de fluxo, microscopia óptica e tecnologias automatizadas. Esses métodos permitem a contagem e a avaliação morfológica das células sanguíneas.
Os resultados do hemograma são interpretados por profissionais de saúde qualificados, considerando os valores de referência específicos de cada laboratório e os dados clínicos do paciente. As alterações nos valores hematológicos podem indicar uma variedade de condições médicas, e uma interpretação precisa é fundamental para um diagnóstico correto.
Uso Diagnóstico do Hemograma
O hemograma desempenha um papel fundamental no diagnóstico e na avaliação de uma variedade de condições médicas, fornecendo informações valiosas sobre a saúde do paciente. A interpretação dos resultados do hemograma requer uma compreensão dos parâmetros hematológicos e de como eles podem variar em diferentes condições clínicas. Abaixo estão algumas das principais aplicações do hemograma no diagnóstico médico:
Diagnóstico de Anemias:
As anemias são condições caracterizadas pela redução da concentração de hemoglobina no sangue, levando a uma diminuição na capacidade de transporte de oxigênio. O hemograma é essencial no diagnóstico e na classificação das anemias, fornecendo informações sobre a contagem de eritrócitos, a concentração de hemoglobina e os parâmetros eritrocitários (VCM, HCM, CHCM). Além disso, a análise da morfologia dos eritrócitos no esfregaço sanguíneo pode ajudar a identificar possíveis causas de anemia, como deficiências nutricionais, hemoglobinopatias e doenças hematológicas.
Detecção de Infecções e Inflamações:
O hemograma é frequentemente solicitado para avaliar a presença de infecções e processos inflamatórios. Uma contagem elevada de leucócitos (leucocitose) pode indicar uma resposta imunológica ativa contra uma infecção bacteriana ou inflamação, enquanto uma contagem elevada de neutrófilos (neutrofilia) é sugestiva de uma infecção bacteriana aguda. Por outro lado, uma contagem elevada de linfócitos (linfocitose) é mais comum em infecções virais.
Monitoramento de Terapias Hematológicas:
Pacientes submetidos a terapias hematológicas, como quimioterapia para o tratamento de câncer ou transfusões de sangue, podem requerer monitoramento regular dos parâmetros hematológicos. O hemograma permite avaliar a eficácia do tratamento, detectar possíveis complicações, como mielossupressão induzida por quimioterapia, e ajustar a terapia conforme necessário.
Triagem de Doenças Hematológicas e Oncológicas:
O hemograma é uma ferramenta de triagem valiosa para detectar distúrbios hematológicos e neoplasias hematológicas, como leucemias e linfomas. Alterações nos parâmetros hematológicos, como contagens elevadas ou diminuídas de leucócitos, plaquetas ou eritrócitos, podem indicar a presença de uma condição hematológica subjacente, que requer investigação adicional.
Avaliação de Distúrbios de Coagulação:
O hemograma pode fornecer informações importantes sobre o estado da coagulação sanguínea. Uma contagem baixa de plaquetas (trombocitopenia) pode indicar um risco aumentado de sangramento, enquanto uma contagem elevada de plaquetas (trombocitose) pode estar associada a distúrbios de coagulação, como trombose. Além disso, a avaliação da morfologia das plaquetas no esfregaço sanguíneo pode ajudar a identificar possíveis distúrbios plaquetários hereditários ou adquiridos.
Monitoramento de Condições Crônicas:
Pacientes com condições crônicas, como doenças renais, hepáticas ou autoimunes, podem requerer monitoramento regular dos parâmetros hematológicos para avaliar o impacto da doença sobre a função hematopoética e identificar possíveis complicações, como anemias secundárias ou distúrbios de coagulação.
Avaliação Pré-operatória:
O hemograma é frequentemente solicitado como parte da avaliação pré-operatória para identificar condições médicas que possam aumentar o risco de complicações durante a cirurgia, como anemias não diagnosticadas, distúrbios de coagulação ou infecções agudas.
Importância Clínica do Hemograma
O hemograma desempenha um papel crucial na prática clínica em diversas áreas da medicina, fornecendo informações valiosas para o diagnóstico, monitoramento e tratamento de uma ampla gama de condições médicas. Abaixo estão algumas das principais áreas onde o hemograma é de grande importância clínica:
Clínica Geral e Medicina de Família:
Na prática da clínica geral e da medicina de família, o hemograma é frequentemente solicitado como parte da avaliação inicial do paciente e como parte do acompanhamento de condições médicas crônicas. Ele fornece informações importantes sobre a saúde geral do paciente, ajudando os médicos a identificar possíveis problemas de saúde e a tomar decisões de tratamento adequadas.
Hematologia Clínica:
Na área da hematologia clínica, o hemograma é uma ferramenta fundamental para o diagnóstico e monitoramento de distúrbios hematológicos, como anemias, distúrbios de coagulação, leucemias e linfomas. Ele fornece informações detalhadas sobre os componentes celulares do sangue, permitindo a identificação de alterações morfológicas e quantitativas associadas a diferentes condições hematológicas.
Oncologia:
Na oncologia, o hemograma é frequentemente solicitado como parte da avaliação inicial do paciente com suspeita de câncer e como parte do acompanhamento durante o tratamento do câncer. Ele ajuda a monitorar a resposta ao tratamento, identificar complicações, como mielossupressão induzida por quimioterapia, e detectar possíveis recidivas da doença.
Medicina de Emergência:
Na medicina de emergência, o hemograma é frequentemente solicitado como parte da avaliação inicial de pacientes com condições agudas, como trauma, infecções graves, sangramento e sepse. Ele fornece informações importantes sobre o estado hematológico do paciente, ajudando os médicos a tomar decisões de tratamento rápidas e eficazes.
Pré-Natal e Obstetrícia:
Na área da obstetrícia, o hemograma é frequentemente solicitado durante a gravidez como parte da avaliação pré-natal para monitorar a saúde da mãe e do feto. Ele ajuda a identificar possíveis complicações, como anemia ferropriva, pré-eclâmpsia e distúrbios de coagulação, que podem afetar a gestação e o parto.
Cuidados Críticos e Terapia Intensiva:
Na terapia intensiva, o hemograma é uma ferramenta essencial para monitorar o estado hematológico de pacientes gravemente doentes, incluindo aqueles com sepse, insuficiência respiratória, choque e falência de múltiplos órgãos. Ele fornece informações valiosas sobre o risco de complicações, como coagulopatias e infecções associadas ao cateter.
Doenças Crônicas e Autoimunes:
Na avaliação de doenças crônicas e autoimunes, o hemograma é frequentemente solicitado como parte do acompanhamento do paciente para monitorar o impacto da doença sobre a função hematopoética e identificar possíveis complicações, como anemias secundárias, neutropenia e trombocitopenia.
Padronização e Controle de Qualidade
A padronização dos procedimentos de processamento do hemograma e o controle de qualidade são essenciais para garantir a precisão e a confiabilidade dos resultados. Os laboratórios clínicos devem seguir diretrizes e protocolos reconhecidos, como os estabelecidos pelo Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI), para garantir a qualidade dos testes hematológicos.
A participação em programas de controle de qualidade externos, nos quais amostras são distribuídas periodicamente para avaliar a precisão e a exatidão dos resultados, também é fundamental para garantir a qualidade dos serviços laboratoriais.
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