Fisiopatologia do Choque
O choque pode ser classificado em diferentes tipos, cada um com sua fisiopatologia distinta:
Choque Hipovolêmico: Decorrente de uma perda significativa de volume sanguíneo ou fluidos corporais, como ocorre em hemorragias, desidratação severa ou queimaduras extensas. A redução do volume intravascular leva à diminuição do retorno venoso ao coração e, consequentemente, à redução do débito cardíaco e da perfusão tecidual.
Choque Cardiogênico: Resulta de uma disfunção cardíaca que compromete o bombeamento eficaz do sangue, como em infartos do miocárdio, cardiomiopatias ou arritmias severas. A falha do miocárdio em manter um débito cardíaco adequado resulta em má perfusão dos órgãos.
Choque Distributivo: Caracterizado pela vasodilatação e distribuição inadequada do sangue, como observado no choque séptico, anafilático e neurogênico. A vasodilatação periférica e o aumento da permeabilidade capilar causam uma queda na resistência vascular sistêmica e, muitas vezes, hipoperfusão tecidual.
Choque Obstrutivo: Decorrente de obstruções que impedem o fluxo sanguíneo adequado, como tamponamento cardíaco, embolia pulmonar massiva ou pneumotórax hipertensivo. Essas condições limitam o enchimento ventricular ou a ejeção do sangue, levando à diminuição do débito cardíaco.
Avaliação Laboratorial no Choque
A avaliação laboratorial no choque é multifacetada e inclui uma série de testes que ajudam na identificação da causa subjacente, avaliação da gravidade e monitoramento da resposta terapêutica.
O hemograma completo é uma ferramenta fundamental na avaliação inicial do paciente em choque. Ele fornece informações sobre a contagem de células sanguíneas, que podem indicar diferentes condições subjacentes:
- Leucocitose ou leucopenia: Uma contagem elevada de leucócitos pode indicar uma infecção ou uma resposta inflamatória, enquanto a leucopenia pode ser observada em infecções graves, como a sepse.
- Anemia: A presença de anemia pode sugerir uma perda significativa de sangue, comum em choque hipovolêmico.
- Trombocitopenia: Uma baixa contagem de plaquetas é frequentemente observada em choque séptico devido ao consumo plaquetário e à CIVD.
A gasometria arterial é crucial para avaliar a oxigenação e o equilíbrio ácido-base no choque:
- Acidose Metabólica: A acidose metabólica, caracterizada por um pH arterial baixo e bicarbonato reduzido, indica má perfusão tecidual e metabolismo anaeróbico. É um sinal de severidade e prognóstico ruim no choque.
- Hipoxemia: Níveis reduzidos de oxigênio arterial (PaO2) indicam comprometimento da oxigenação, frequentemente visto em choque cardiogênico e séptico.
- Lactato: O lactato elevado é um marcador sensível de hipóxia tecidual. Níveis persistentemente elevados após a ressuscitação inicial são associados a um prognóstico desfavorável.
A função renal é frequentemente comprometida no choque devido à má perfusão renal:
- Creatinina e Ureia Elevadas: Indicam insuficiência renal aguda, um resultado comum de má perfusão prolongada dos rins. Esses marcadores são críticos para monitorar a função renal e ajustar o manejo terapêutico.
Marcadores de Lesão Miocárdica (Troponina e CK-MB)
No choque cardiogênico, a lesão miocárdica é uma preocupação primária:
- Troponina e CK-MB: Níveis elevados desses marcadores indicam lesão miocárdica, como infarto do miocárdio. A elevação de troponina é altamente sensível e específica para lesão miocárdica, enquanto a CK-MB pode ser utilizada para monitorar a extensão e o progresso da lesão.
Procalcitonina e Proteína C-reativa (PCR)
Esses marcadores são particularmente úteis no choque séptico:
- Procalcitonina Elevada: A procalcitonina é um marcador específico de infecção bacteriana e pode ajudar a distinguir entre sepse e outras causas de inflamação. Níveis elevados estão correlacionados com a gravidade da infecção.
- Proteína C-reativa (PCR): A PCR é um marcador não específico de inflamação. Níveis elevados indicam uma resposta inflamatória sistêmica, comum em choque séptico.
A avaliação da função hepática é importante no manejo do choque:
- ALT e AST Elevadas: Indicativas de lesão hepatocelular. Essas elevações podem ocorrer devido à hipóxia prolongada ou devido ao efeito direto de toxinas ou sepsis no fígado.
- Bilirrubinas Elevadas: Sugerem disfunção hepática ou hemólise. A hiperbilirrubinemia pode complicar o choque, indicando uma lesão hepática mais grave.
Coagulograma (PT, aPTT, Fibrinogênio, D-dímero)
A avaliação da coagulação é crítica no choque, especialmente no choque séptico onde a CIVD é uma complicação comum:
- Prolongamento de PT e aPTT: Indicativos de uma desordem na coagulação. Prolongamentos significativos sugerem consumo de fatores de coagulação na CIVD.
- Redução de Fibrinogênio: O fibrinogênio é um marcador de consumo na coagulação. Níveis baixos são encontrados na CIVD.
- Aumento de D-dímero: Indica degradação de fibrina, um marcador sensível de atividade trombótica e fibrinolítica elevada, comum na CIVD.
Exame Laboratorial | Choque Hipovolêmico | Choque Cardiogênico | Choque Distributivo | Choque Obstrutivo |
---|---|---|---|---|
Hemograma Completo (HC) | Anemia (em caso de hemorragia) Leucocitose por resposta ao estresse |
Leucocitose devido a estresse Possível leucopenia em choque prolongado |
Leucocitose ou leucopenia no choque séptico Trombocitopenia em sépsis |
Leucocitose devido a estresse |
Gasometria Arterial | Acidose metabólica devido à má perfusão Hipoxemia leve a moderada |
Acidose metabólica Hipoxemia devido à congestão pulmonar |
Acidose metabólica Hipoxemia em choque séptico severo |
Acidose metabólica Hipoxemia variável |
Lactato | Aumento devido à má perfusão tecidual | Aumento devido à má perfusão tecidual | Aumento significativo no choque séptico | Aumento devido à má perfusão tecidual |
Função Renal | Aumento de creatinina e ureia devido à má perfusão renal | Aumento de creatinina e ureia devido à má perfusão renal | Aumento de creatinina e ureia em choque séptico | Aumento de creatinina e ureia devido à má perfusão renal |
Marcadores de Lesão Miocárdica | Normais (exceto em trauma concomitante) | Elevação de troponina e CK-MB em caso de infarto | Normais (exceto em disfunção cardíaca preexistente) | Normais (exceto em disfunção cardíaca preexistente) |
Procalcitonina e PCR | Normal ou leve aumento em casos de hemorragia severa | Aumento leve devido ao estresse inflamatório | Aumento significativo no choque séptico | Normal ou leve aumento devido ao estresse inflamatório |
Função Hepática | ALT e AST aumentadas em casos severos de hipóxia Bilirrubinas normais a levemente aumentadas |
ALT e AST aumentadas devido à congestão hepática Bilirrubinas normais a aumentadas |
ALT e AST aumentadas no choque séptico Bilirrubinas aumentadas |
ALT e AST normais a levemente aumentadas Bilirrubinas normais a levemente aumentadas |
Coagulograma | PT e aPTT normais a levemente aumentados em hemorragia | PT e aPTT normais (exceto em disfunção hepática) | Prolongamento de PT e aPTT no choque séptico Redução de fibrinogênio Aumento de D-dímero |
PT e aPTT normais (exceto em disfunção hepática) |
Manejo Terapêutico Baseado em Avaliação Laboratorial
A avaliação laboratorial contínua é essencial para guiar o manejo terapêutico do choque:
- Reposição Volêmica: A monitorização dos eletrólitos e a gasometria arterial ajudam a guiar a reposição de fluidos, visando corrigir a acidose metabólica e melhorar a perfusão tecidual.
- Vasopressores e Inotrópicos: A monitorização da função renal e dos níveis de lactato orienta o uso de vasopressores e inotrópicos para melhorar a pressão arterial e o débito cardíaco.
- Antibióticos e Controle de Infecção: No choque séptico, a procalcitonina e a PCR ajudam a monitorar a resposta aos antibióticos e o controle da infecção.
- Correção de Coagulopatias: O coagulograma é essencial para guiar a administração de produtos sanguíneos como plaquetas, plasma fresco congelado e crioprecipitado, especialmente em casos de CIVD.
Conclusão
O choque é uma condição médica complexa que requer uma avaliação laboratorial abrangente para diagnóstico, monitoramento e manejo adequado. A integração de diferentes testes laboratoriais fornece uma visão detalhada da fisiopatologia subjacente, permitindo intervenções terapêuticas mais precisas e eficazes. A abordagem multidisciplinar, envolvendo médicos, bioquímicos e outros profissionais de saúde, é fundamental para melhorar os desfechos dos pacientes em choque.
Referências
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