Bordetella pertussis (coqueluche)

Bordetella pertussis é a bactéria responsável pela coqueluche, uma doença altamente contagiosa e potencialmente grave, particularmente em crianças não vacinadas. A coqueluche, também conhecida como tosse convulsa, é caracterizada por episódios de tosse intensa que podem levar a complicações respiratórias e neurológicas. Apesar da disponibilidade de vacinas eficazes, a coqueluche permanece uma preocupação de saúde pública em todo o mundo, devido à resurgência de casos, mesmo em populações vacinadas.


A descoberta de B. pertussis como o agente causador da coqueluche foi um marco na microbiologia, permitindo o desenvolvimento de vacinas que reduziram significativamente a incidência da doença. No entanto, a adaptação da bactéria e a eventual diminuição da imunidade conferida pela vacinação são desafios contínuos para o controle da coqueluche.



Microbiologia da Bordetella pertussis

Bordetella pertussis é uma bactéria gram-negativa, aeróbica, de forma cocobacilar. Possui uma cápsula que confere proteção contra fagocitose e é não móvel, diferindo de outras espécies do gênero Bordetella, como B. bronchiseptica, que pode causar infecções respiratórias em animais e humanos.

A patogenicidade de B. pertussis é atribuída a uma série de fatores virulentos, incluindo toxinas e proteínas de adesão que facilitam a colonização do trato respiratório humano. Entre os principais fatores de virulência, destacam-se:

  • Toxina Pertussis (PT): Uma exotoxina que interfere na sinalização celular ao ADP-ribosilar proteínas G, levando a efeitos sistêmicos, como linfocitose.
  • Adesinas (Hemaglutinina Filamentosa e Pertactina): Facilitam a adesão às células epiteliais ciliadas do trato respiratório, crucial para a colonização inicial.
  • Citotoxina Traqueal: Danifica diretamente as células epiteliais ciliadas, contribuindo para a tosse persistente característica da doença.

Esses fatores combinam-se para permitir que B. pertussis evite a resposta imune inicial e se estabeleça nas vias aéreas, causando danos locais e sistêmicos.


Epidemiologia

A coqueluche foi uma das principais causas de mortalidade infantil antes da introdução da vacina pertussis na década de 1940. A vacinação em larga escala resultou em uma queda dramática nos casos. No entanto, a coqueluche tem experimentado um ressurgimento global nas últimas décadas, inclusive em países com altas taxas de vacinação, como os Estados Unidos e alguns países da Europa.

Fatores Contribuintes:

  • Imunidade Decrescente: A proteção conferida pelas vacinas acelulares contra a coqueluche, introduzidas na década de 1990, parece diminuir ao longo do tempo, deixando adolescentes e adultos susceptíveis à infecção e capazes de transmitir a doença a indivíduos vulneráveis, como bebês.
  • Variantes de B. pertussis: Surgiram variantes da B. pertussis que podem escapar parcialmente da imunidade conferida pela vacina, embora não haja consenso sobre o impacto dessas variantes na epidemiologia da doença.
  • Falhas na Cobertura Vacinal: Em algumas regiões, a hesitação vacinal e a falta de acesso a serviços de saúde têm contribuído para a persistência da coqueluche.


Patogênese e Imunidade

A coqueluche se desenvolve após a inalação de gotículas respiratórias contendo B. pertussis, que se liga às células ciliadas do epitélio respiratório. Uma vez aderida, a bactéria prolifera e libera toxinas que causam inflamação local e morte celular. Isso resulta em uma resposta imune inata inicial, seguida por uma resposta imune adaptativa.

Fase Catarral: A fase inicial da coqueluche, que dura de 1 a 2 semanas, é caracterizada por sintomas inespecíficos, como coriza, febre leve e tosse ocasional. Durante esta fase, a B. pertussis se multiplica rapidamente e a transmissão é mais eficaz.

Fase Paroxística: Após a fase catarral, ocorre a fase paroxística, marcada por acessos de tosse severa, seguidos por um "gasping" ou "whoop" inspiratório. Esses episódios de tosse são causados pelo efeito da toxina pertussis e pela citotoxina traqueal, que danificam as células ciliadas e induzem a secreção de muco espesso, difícil de ser expelido.

Fase de Convalescença: Esta fase final pode durar semanas a meses, com a tosse gradualmente diminuindo. No entanto, complicações secundárias, como pneumonia ou convulsões, podem ocorrer, especialmente em lactentes.

A imunidade contra B. pertussis pode ser induzida tanto por infecção natural quanto por vacinação. No entanto, a imunidade conferida pela infecção ou pela vacina não é permanente, o que explica a suscetibilidade contínua, principalmente em adolescentes e adultos.


Diagnóstico

O diagnóstico preciso da infecção por Bordetella pertussis é fundamental para o tratamento eficaz e para a prevenção da disseminação da coqueluche, especialmente em populações vulneráveis. Devido à apresentação clínica inespecífica nas fases iniciais da doença, os métodos laboratoriais desempenham um papel crucial na confirmação do diagnóstico. A seguir, exploram-se os principais testes diagnósticos utilizados:

1. Cultura Bacteriana

Princípios e Aplicação: A cultura bacteriana é considerada o padrão-ouro para o diagnóstico de B. pertussis, principalmente por sua especificidade elevada. O processo envolve a obtenção de amostras de secreções nasofaríngeas, que são então inoculadas em meios de cultura seletivos, como o meio de Bordet-Gengou ou o meio de Regan-Lowe. Esses meios são enriquecidos com carvão vegetal e extrato de sangue para neutralizar compostos tóxicos e promover o crescimento da bactéria.

Limitações:

  • Sensibilidade: A sensibilidade da cultura bacteriana diminui significativamente após a fase catarral, tornando-a menos eficaz nas fases paroxística e de convalescença.
  • Tempo de Resposta: A cultura pode levar de 7 a 10 dias para fornecer resultados, o que limita sua utilidade em situações que requerem diagnóstico rápido.
  • Condições de Amostra: O sucesso da cultura depende da qualidade e do manuseio adequado da amostra. A coleta deve ser realizada idealmente nos primeiros 14 dias de doença para aumentar a probabilidade de crescimento bacteriano.

2. Reação em Cadeia da Polimerase (PCR)

Princípios e Aplicação: A PCR é uma técnica de biologia molecular que amplifica sequências específicas de DNA bacteriano, permitindo a detecção rápida e sensível de B. pertussis em amostras respiratórias. A PCR é especialmente útil durante a fase catarral e o início da fase paroxística, quando a carga bacteriana é mais alta.

Vantagens:

  • Alta Sensibilidade e Especificidade: A PCR pode detectar B. pertussis mesmo em amostras onde a bactéria está presente em pequenas quantidades, superando as limitações da cultura bacteriana.
  • Rapidez: Resultados podem ser obtidos em 24 a 48 horas, permitindo um diagnóstico mais ágil e intervenções precoces.
  • Detecção de Casos Atípicos: A PCR pode identificar infecções por cepas mutantes ou variantes de B. pertussis que podem não crescer em culturas convencionais.

Limitações:

  • Custo: O custo da PCR é relativamente elevado em comparação com outros métodos diagnósticos, limitando seu uso em ambientes com recursos limitados.
  • Contaminação: Devido à alta sensibilidade da PCR, existe um risco de resultados falso-positivos por contaminação cruzada.

3. Testes Sorológicos

Princípios e Aplicação: A sorologia envolve a detecção de anticorpos específicos contra antígenos de B. pertussis, como a toxina pertussis (PT), em amostras de soro sanguíneo. A sorologia é particularmente útil para diagnosticar casos de coqueluche em fases tardias, quando a cultura e a PCR podem ser menos eficazes.

Vantagens:

  • Diagnóstico de Infecções Recentes e Passadas: A presença de IgG contra toxina pertussis sugere uma infecção recente ou vacinação, enquanto a presença de IgM pode indicar uma infecção aguda.
  • Aplicações Epidemiológicas: A sorologia é útil em estudos de vigilância para determinar a prevalência de coqueluche em populações e a duração da imunidade pós-vacinal.

Limitações:

  • Janela Diagnóstica: A sorologia é mais eficaz a partir de 2 a 3 semanas após o início dos sintomas, quando os níveis de anticorpos são detectáveis, mas pode ser menos útil no diagnóstico precoce.
  • Interferência Vacinal: A vacinação recente pode dificultar a interpretação dos resultados sorológicos, devido à indução de anticorpos semelhantes aos gerados pela infecção natural.

4. Imunofluorescência Direta (IFD)

Princípios e Aplicação: A imunofluorescência direta utiliza anticorpos marcados com fluorocromos que se ligam a antígenos específicos de B. pertussis em amostras respiratórias. Sob um microscópio de fluorescência, as bactérias que contêm esses antígenos aparecem como partículas fluorescentes.

Vantagens:

  • Rapidez: A IFD pode fornecer resultados em poucas horas, permitindo um diagnóstico rápido.
  • Simultaneidade: Pode ser usada para identificar múltiplos patógenos respiratórios em uma única amostra.

Limitações:

  • Sensibilidade Inferior: A sensibilidade da IFD é geralmente inferior à da PCR e da cultura, especialmente em casos com baixa carga bacteriana.
  • Dependência de Técnica: A precisão dos resultados depende muito da habilidade do técnico de laboratório em interpretar a fluorescência, podendo levar a variações nos resultados.


Testes de Antígeno de Fluxo Lateral

Princípios e Aplicação: Os testes de antígeno de fluxo lateral são métodos rápidos que detectam proteínas específicas de B. pertussis em amostras respiratórias. Esses testes são semelhantes aos testes rápidos de antígeno para COVID-19, proporcionando resultados em 15 a 30 minutos.

Vantagens:

  • Portabilidade e Facilidade de Uso: Esses testes podem ser realizados no ponto de atendimento (point-of-care), sem a necessidade de equipamentos laboratoriais complexos.
  • Custo Efetivo: Em comparação com PCR e cultura, esses testes são mais acessíveis e práticos para uso em áreas de baixa infraestrutura.

Limitações:

  • Baixa Sensibilidade: A sensibilidade desses testes é significativamente menor, o que pode resultar em um número considerável de falsos negativos, especialmente em fases tardias da doença.
  • Uso Limitado: Devido à baixa sensibilidade e especificidade, esses testes são geralmente usados em combinação com outros métodos diagnósticos, em vez de como teste de diagnóstico definitivo.


Tratamento

O tratamento da coqueluche inclui tanto o manejo dos sintomas quanto a eliminação da bactéria para reduzir a transmissão.

Antibioticoterapia:

  • Macrolídeos: Como a azitromicina e a claritromicina são os antibióticos de escolha para tratar a coqueluche, especialmente nos estágios iniciais da doença. Eles são eficazes na redução da duração dos sintomas e na prevenção da disseminação da bactéria.
  • Sulfametoxazol/Trimetoprim: Alternativa para pacientes alérgicos a macrolídeos.

Cuidados de Suporte:

  • Oxigenoterapia: Pode ser necessária em casos graves, particularmente em lactentes.
  • Hospitalização: Indicada para casos graves ou em bebês com menos de seis meses, devido ao risco elevado de complicações.


Prevenção

A vacinação é a principal estratégia de prevenção contra a coqueluche. As vacinas contra a coqueluche estão disponíveis em duas formas principais: vacina de células inteiras e vacina acelular.

Vacina de Células Inteiras: Desenvolvida nas décadas de 1940 e 1950, é composta por células inteiras de B. pertussis inativadas. Embora altamente eficaz, está associada a um maior risco de efeitos colaterais, como febre e reações locais.

Vacina Acelular: Introduzida nos anos 1990, a vacina acelular contém apenas componentes purificados da B. pertussis, como toxinas e adesinas. É associada a menos efeitos adversos, mas sua imunogenicidade pode ser menor em comparação com a vacina de células inteiras, resultando em uma imunidade menos duradoura.

Esquema Vacinal:

  • Crianças: O esquema vacinal primário contra a coqueluche geralmente inclui três doses da vacina tríplice bacteriana (DTP) ou tríplice bacteriana acelular (DTPa) administradas aos 2, 4 e 6 meses de idade, seguidas por doses de reforço aos 15 meses e entre 4 e 6 anos de idade.
  • Adolescentes e Adultos: Reforços da vacina DTPa são recomendados para adolescentes e adultos, especialmente para aqueles que estão em contato próximo com lactentes, como pais e profissionais de saúde.

Imunidade de Rebanho: A alta cobertura vacinal é essencial para proteger aqueles que não podem ser vacinados, como recém-nascidos e indivíduos imunocomprometidos. No entanto, a imunidade de rebanho é difícil de alcançar para a coqueluche devido à imunidade decrescente e à circulação de variantes de B. pertussis.

8. Desafios e Perspectivas Futuras

A coqueluche continua a representar um desafio significativo para a saúde pública global. A resurgência de casos em populações vacinadas indica a necessidade de melhorias nas vacinas existentes e no desenvolvimento de novas estratégias de prevenção.

Vacinas Melhoradas: A pesquisa está em andamento para desenvolver vacinas que proporcionem uma imunidade mais duradoura e que sejam eficazes contra as variantes emergentes de B. pertussis. As vacinas de nova geração, que incluem proteínas recombinantes e vacinas de subunidades, são áreas promissoras de investigação.

Diagnóstico Avançado: O desenvolvimento de métodos diagnósticos mais rápidos e precisos é crucial para o controle eficaz de surtos de coqueluche. A implementação de testes point-of-care pode facilitar o diagnóstico precoce e o tratamento oportuno.

Educação e Conscientização: Campanhas de conscientização pública sobre a importância da vacinação e o reconhecimento precoce dos sintomas de coqueluche são essenciais para reduzir a incidência da doença. Profissionais de saúde também devem ser continuamente treinados para identificar e manejar a coqueluche de maneira eficaz.


Conclusão

Bordetella pertussis, apesar dos avanços na vacinação e tratamento, continua a ser um patógeno de grande relevância na saúde pública. A reemergência da coqueluche em países com altas taxas de vacinação ressalta a necessidade de uma vigilância constante, melhorias nas vacinas e estratégias de prevenção adaptadas às realidades epidemiológicas contemporâneas. Somente através de um esforço coordenado entre pesquisadores, profissionais de saúde e formuladores de políticas será possível controlar eficazmente a disseminação desta doença.


Referências

  1. Brasil. Ministério da Saúde. Coqueluche: Guia de Vigilância Epidemiológica. 8. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2017.
  2. Cherry, J. D. (2019). The History of Pertussis (Whooping Cough); 1906–2015: Facts, Myths, and Misconceptions. Infectious Disease Clinics of North America, 33(1), 1-21.
  3. World Health Organization. Pertussis vaccines: WHO position paper – September 2015. Weekly Epidemiological Record. 2015;90(35):433-460.
  4. Mooi, F. R., Van Der Maas, N. A., & De Melker, H. E. (2014). Pertussis resurgence: waning immunity and pathogen adaptation – two sides of the same coin. Epidemiology and Infection, 142(4), 685-694.
  5. Hewlett, E. L., & Edwards, K. M. (2005). Clinical practice. Pertussis--not just for kids. The New England Journal of Medicine, 352(12), 1215-1222.

Comentários